No início, era o verbo
Querer.
Um querer feito de uma mão-cheia de ideias trazidas do Festival Lumière de 2010, em Montreal, Canadá, onde Ljubomir Stanisic foi um dos chefes convidados a representar Portugal, o país em destaque esse ano.
Em seguida, o fazer.
Fazer deste espaço cheio de História, onde funcionaram o Tavares Pobre e o Bachus, uma casa sem tempo. Fazer do edifício de inspiração Art Déco, lugar de um dos mais antigos restaurantes do país, um espaço eclético e contemporâneo, onde convivem a arte e a gastronomia, a música e a coquetelaria, os mais conservadores e os mais excêntricos.
Com dois andares e capacidade para receber cerca de 70 pessoas, o Bistro 100 Maneiras é um hino ao prazer. E esta característica, que congrega tanto, fê-lo arrecadar o prémio que é. por si só, motivo de orgulho eterno: nº 1 mundial nos Monocle Restaurant Awards em 2017 e o terceiro lugar nos mesmos galardões no ano subsequente. Avé, Bistro!
BISTRO
“Bistrô”, chamam-lhe alguns, carregando no sotaque francês. 100 Maneiras apenas, chamam-lhe outros, esquecendo que é o Bistro do nome que lhe confere parte da identidade. Bistro significa “limpo e claro” em servo-croata. “Limpo e claro” o espaço, as ideias, a comida.
Aqui pratica-se cozinha de conforto, numa escolha feita à carta, com criações inspiradas no receituário tradicional português, “jugoslavo”, francês e italiano, com toque de autor e inspirações trazidas das viagens, vivências e experiências de Ljubo e da equipa liderada pelo chefe executivo Manuel Maldonado. Sem limites pré-traçados. Do foie-gras ao tutano, do marisco à caça, dos ingredientes de “luxo” aos mais desvalorizados. No menu diário incluem-se produtos da época, proteínas do dia prontas a viajar para a grelha e a secção “Só para Corajosos”, com miudezas, entranhas e outras propostas pouco convencionais – paixão assumida do chefe Ljubomir Stanisic. Já na carta fixa, encontram-se entradas, clássicos do Bistro (os chamados Top 100) e diferentes acompanhamentos, organizados por categorias, para serem combinados (ou não) como se desejar com as diferentes propostas diárias. Arrozes, batatas, legumes e molhos que podem ser pedidos para brilhar a solo ou para partilhar a atenção com as diferentes proteínas disponíveis. Sem esquecer, claro, o inevitável final feliz (que é como quem diz: bem doce!).
Felizes, também, são as sugestões saídas do bar, cujas maneiras se estendem bem para além deste balcão.
Em 2015, foi aqui que germinaram as ideias para o primeiro grande livro de cocktails português, 100 Cocktails 100 Maneiras, editado pel’A Esfera dos Livros. Um livro que reflete a importância da coquetelaria no restaurante e em todo o conceito 100 Maneiras. Não foi por acaso que a revista Monocle considerou o Bistro “o lugar ideal para beber um cocktail em Lisboa”… Como não foi por acaso, também, que o Bar do Bistro venceu, em 2017, o prémio Coaster para Melhor Bar de Restaurante em Portugal – entregue anualmente na final da competição World Class, a mais conceituada competição de coquetelaria do mundo, e que reconhece o trabalho diário nos melhores bares de cocktails – e o mesmo título, em 2019 e novamente em 2022, nos Prémios Lisbon Bar Show.
Do balcão, sai uma carta de cocktails que procuram reflectir a essência do Bistro através de ingredientes naturais. É o imaginário de Alice no País das Maravilhas que serve de mote à viagem e as ilustrações de Tiago Maya a guiar cada passo do caminho. São cocktails que se assumem como personagens principais deste universo paralelo em estado líquido e que se juntam a uma mão-cheia de cocktails de assinatura que já são parte da identidade do Bistro e alguns clássicos incontornáveis da coquetelaria.
Estes e outros copos podem ser bebidos no espaço renovado entre o final de 2021 e Março de 2022, depois de cinco meses de obras que tiveram como objectivo devolver ao Bistro a aura de clássico, após uma década de funcionamento.
COZINHA
A redecoração ficou a cargo de Rebeca Perez, designer de interiores do Tabula Rasa Design Studio, e Mário Belém, artista-quase-residente do Bistro, cujo histórico de colaborações com o grupo e o chefe Ljubomir não pode ser contado pelos dedos de duas mãos, e que transformaram o espaço praticamente por completo.
Ao eterno sofá verde Chesterfield da entrada e ao latão dourado que contorna o balcão do bar desde os outros tempos deste restaurante, foram-se buscar aquelas que são as cores do Bistro e pontuam todo o espaço, seja nos estofos criados por Rebeca ou no tecto do primeiro andar, onde um enorme anel em folha de latão reflecte a luz – uma ideia da designer de interiores, inspirada no oculus na cúpula do Panteão romano.
À entrada, um coração 3D, em pinho nórdico e iluminado por leds, para o qual confluem gigantescas facas e cutelos em madeira, que atravessam o tecto até ao bar, capta as primeiras atenções, conduzindo o olhar para o balcão que acompanha as estantes laterais, onde várias caixas de luz em pinho replicam a ideia da “biblioteca do avô”, uma amálgama de experiências e histórias onde não faltam referências à vida de Ljubomir Stanisic – obras de Mário Belém, que conhece a história do chefe e do grupo como poucos.
De fora das transformações ficaram o Quarto do Avesso e a Hendrick’s Room, dois espaços já com assinatura de Belém. O primeiro, aberto em 2014 no lugar onde antes estava a Pekaria de Ljubomir (uma padaria marcadamente jugoslava), e concebido pelo gabinete HAJE Arquitectos, a mesma dupla que desenhou o projecto do novo 100 na Rua do Teixeira 39, distingue-se pelas paredes que reproduzem uma imagem de William Morris “de pernas para o ar”, fazendo-nos sentir (sentar e entrar) num jardim invertido, onde as enormes flores coloridas e candeeiros estão “viradas do avesso” – quase como uma Alice depois de comer o cogumelo mágico.
Foi também Belém que, em parceria com Filipe Pinto Soares, desenhou o sonho nas paredes da Hendrick`s Room, a sala privada no topo das escadas que ligam os dois pisos do restaurante. Aqui, juntam-se as ilustrações do primeiro às instalações tecnológicas do segundo (autor também das prateleiras “infinitas” do bar, no piso inferior, e das duas montras que falam de um certo tipo de amor, numa parceria com a tequila Milagro).
Arte, artes, muita(s)
Pronta a ser reinventada ao gosto de quem a utiliza, na Hendrick’s Room é possível personalizar o ambiente de acordo com o humor (ou a altura do dia ou da noite…), controlando a intensidade das luzes do tecto e das paredes e até conectar um smartphone e escolher a playlist. Para além da mesa oval para oito pessoas (com espelho no tecto a acompanhá-la), existem dois bancos encastrados junto à janela. Porque aqui, a ocasião faz a sala – e tanto pode servir a intimidade de jantares a dois, como a privacidade das reuniões de trabalho ou a partilha de jantares entre amigos. Sempre com vista rasgada para o Chiado e uma nesga de Tejo como pano de fundo.
BAR
Eclético e urbano, sem presunções nem preconceitos, o Bistro 100 Maneiras é ainda o palco por excelência de alguns eventos com assinatura 100 Maneiras, onde se impõe a multidisciplinaridade. São datas em que a gastronomia dá as mãos ao cinema, à música, às artes plásticas, às viagens ou à enologia, promovendo o espírito 100 Maneiras para lá de quaisquer fronteiras. É o Chiado boémio que se apresenta aqui, dos cocktails aos vinhos, das pessoas e das noites que se prolongam, do prazer de estar e partilhar, com o mundo, as melhores coisas da vida.
Partilhar Portugal com o mundo, colocar Portugal nas bocas do Mundo. Mude o que mudar nas ementas e nas paredes deste restaurante mítico do Chiado, isto nunca mudará. Porque é uma certa portugalidade que se exibe, mas também a sazonalidade e, sobretudo, uma localidade sem fronteiras. É o mundo que se emulsiona, que nos emociona. E é a emoção que queremos pôr no copo, na pedra, no tacho ou no prato. Porque os 100 Maneiras não são “apenas” restaurantes. São família que come e sente, que bebe e deseja, que olha o mundo com ganas de o sorver. De uma golada – ou garfada – só.