10 anos de Bistro
22.09.2010. Pela primeira vez, o Bistro abria as suas portas. No edifício Art Déco onde antes tinham funcionado espaços icónicos da cidade como o Tavares Pobre e o Bachus, Ljubomir Stanisic e companhia decidiram criar uma casa sem tempo. Uma casa onde pudessem conviver a arte e a gastronomia, a música e a coquetelaria, os mais conservadores e os mais excêntricos. Onde se pudesse encontrar, dentro ou fora de horas, cozinha de conforto para o estômago e para a alma, com criações inspiradas no receituário tradicional português, “jugoslavo”, francês e italiano, com toque de autor e inspirações trazidas das viagens, vivências e experiências de Ljubo – e dos que partilham a cozinha com ele.
Bistro – e não “bistrô” – significa “limpo e claro” em servo-croata. Limpos e claros o espaço, as ideias, a comida. Limpo e claro o objectivo: proporcionar uma experiência única em Lisboa, sem manias, sem rodeios, sem preconceitos nem limites pré-traçados. Fazendo do maior luxo a liberdade. Por isso, no menu, podem conviver foie gras e túbaros, cascas de batata e carabineiro, ingredientes de “luxo” e os mais desvalorizados, homenagens aos mais carnívoros e sugestões vegetarianas. Tudo o que couber nos humores e amores do chefe.
Ao longo destes 10 anos, fez-se história nestas mesas, no balcão do nosso bar, cuja fórmula envolve não só espirituosos, somos, bitter, gomas e caldos mas, acima de tudo, gente, sangue, suor, risos – e vá, algumas lágrimas também. Chefiado por Jorge Camilo, na equipa desde o primeiro dia do Bistro, é sem dúvida um dos lugares mais especiais desta casa. Um lugar cuja filosofia é aproximar a gastronomia à mixologia. Que é como quem diz: transportar para o copo muitos dos ingredientes utilizados na cozinha. Foi assim que nasceram clássicos como o 100 Maneiras Strong (com limão, gengibre e lemongrass na composição), o 100 Maneiras Smooth & Easy (com coentros e ananás) e outras criações bem conhecidas do bar do Bistro, como o Red Hot Guava (goiaba, malagueta e gengibre), Hulk (manjericão e hortelã-pimenta) ou o best-seller incontestável deste balcão, Damn That’s Good (com framboesas e hortelã-pimenta).
Mudaram-se os tempos, não se mudaram as vontades. Mas foram mudando as paredes, o tecto, os lugares, as ideias. Nem todas funcionaram. Como a Pekaria, uma padaria de inspiração bósnia onde se vendiam bureks, pão fresco, sandes e lollipops de salmão, entre outros, para levar e comer. Abriu em 2013, fechou um ano depois. Partiu-se então a parede que separava a Pekaria do Bistro e criou-se o Quarto do Bistro, o único espaço fumador desta casa, baptizado assim devido ao ambiente intimista. Concebido pelo gabinete HAJE Arquitectos, a mesma dupla que desenhou o projecto do novo 100 na Rua do Teixeira 39, foi renovado em 2019 por Mário Belém, pintado à mão com as imagens de um enorme jardim de pernas para o ar. Passou a chamar-se Quarto do Avesso – e tornou-se um dos lugares mais fotografados do Bistro. Não foi só neste quarto que Mário Belém deixou a sua marca. Foi ele o criador da Nossa Senhora da Gula, a santa padroeira do Bistro que recebia quem chegava, até 2015, quando foi substituída pela enorme ilustração sobre livros “Arrebenta Coração” – também ela da autoria de Mário Belém. Foi ele também quem, em 2016, em parceria com Filipe Pinto Soares, desenhou o sonho nas paredes da Hendrick’s Room, a sala privada no topo das escadas que ligam os dois pisos do restaurante. E em 2019, foi novamente Mário Belém quem colou 100 espelhos na sala de cima e desenhou, uma à uma, à mão, as respectivas molduras nas paredes.
Nesta década de Bistro, podemos dizer que quase tudo aconteceu. Tivemos ciclos gastronómicos de cinema, com curadoria de Rui Pedro Tendinha, leilões solidários de arte, jantares vínicos – e um ciclo de almoços vínicos, “Bistro Fora da Casta” encerrado apenas com a chegada da Covid-19. Tivemos festivais de trufas (um deles com uma trufa branca de 600g), desmanchámos atuns com centenas de quilos e sessões fotográficas com espadas, fogo, fumo e outros efeitos especiais conseguidos artesanalmente, da forma mais louca possível. Algumas das melhores histórias foram partilhadas em 2018, com o lançamento do livro “Bistromania – No Bistro como em Casa”. Outras, ficaram e ficarão para sempre entre estas paredes e quem as viveu. São centenas de pessoas que passaram pela equipa nestes anos, que fazem parte da nossa história, que ajudaram a criar e a fazer crescer o Bistro.
São pessoas que fazem parte de cada prémio conquistado nestes 10 anos. Dezenas de prémios e distinções, como o título de “Melhor Restaurante do Mundo”, atribuído pela Monocle em 2017, ou de “Melhor Bar de Restaurante em Portugal”, nos Coaster Awards do mesmo ano.
Mas, mais que isso, houve risos e houve lágrimas. E houve luta. Como quando em Março de 2020 as portas do Bistro se fecharam pela primeira vez desde a abertura, devido à pandemia, e assim se mantiveram por 69 dias.
Mas há esperança. Há vida. E há a vontade de celebrar tudo o que vivemos aqui até hoje. Com os copos ainda mais altos, com os pratos ainda mais cheios. Com um menu que prestou a homenagem devida a esta década, composto pelos pratos que mais marcaram estes 10 anos, como as cascas de batata, Beet’s Me (tártaro de beterraba), o Burek jugoslavo, o Risotto fumado de cogumelos com camarão selvagem, o Tataki de vazia maturada e a incontornável Espuma de queijo – sabores que podem ser degustados, todos os dias, às nossas mesas. Porque de dissabores, já todos tivemos a nossa dose nos últimos meses.